2020 – o ano de cabeça para baixo
30 de janeiro. Depois de apenas um ano desde a descoberta de um câncer, meu irmão Caio se despede de nós.
Apenas quinze dias antes, eu o via saborear meio alfajor trazido da minha viagem de lua de mel em Buenos Aires. Jamais esquecerei o prazer e alegria com que ele fez isto.
Apenas quinze dias antes, eu entregava constrangida o papel que formalizaria o fim de nossa sociedade. Ele, sábio e generoso, me agradeceu. “Você simplifica minha vida”.
Vida.
Palavra que adquiriu outra profundidade, valor e significado nos meses que vieram.
No começo, o luto. E os ritos de passagem que me ampararam na travessia:
Fazer o discurso de despedida de meu irmão, repetindo o ritual que já havia cumprido com meu pai.
Emocionar-me com a missa na escola em que o levei para sua adaptação, aos dois anos.
Testemunhar um final de semana épico, onde cem amigos, a maioria muito jovens, celebraram a vida de meu irmão. Teve música, paródia, mergulho no mar e um céu inédito onde o sol e a lua se contemplavam ternamente.
Atos de amor compartilhado para tentar absorver o maior golpe de toda a minha vida.
Daí, entrei no turbilhão.
Clientes de Organização de Ideias. Uma visita a São Paulo para a Formação em Dinâmica de Grupos. Dois workshops, um deles em Angra dos Reis, com um cliente bastante difícil. O início do atendimento de 14 atingidos pelo desastre de Mariana. Um projeto intenso na Colômbia, onde pela primeira vez me faltou ar.
Um alerta de que a velocidade não seria a melhor forma de curar minha enorme tristeza.
Então um respiro: a viagem com Lennom a Belo Horizonte, Ouro Preto e Inhotim, último passeio antes de tudo mudar.
Em meados de março, chega a pandemia e, com ela, nossa nova realidade, construída no susto.
Meu primeiro gesto instintivo foi recolher-me no meu paraíso com minha família. Os poucos dias na natureza ajudaram na transição. Eu andava apertada, acelerada, pouco presente em mim.
Volto ao Rio e começo uma jornada. Novos e poucos projetos, inicialmente num sofá improvisado no quarto de empregada.
Sem técnica, sem conforto, sem saber tudo que eu aprenderia nos meses seguintes.
Muitas conferências via Zoom com os amigos, a adaptação às aulas on-line. O isolamento, o medo.
Daí o ritmo começou a se firmar. O saldo, surpreendente:
Um ano próspero, focado e com projetos profundos e transformadores
Coordenar um grande projeto de redação de uma política anti-assédio e discriminação para uma Fundação importante.
Completar o ciclo de seis meses com os atingidos de Mariana, usando WhatsApp Vídeo e improvisando dinâmicas on-line.
Iniciar um ciclo de workshops para a agência Grey, numa sequência de trabalhos que começou com um Programa de Demissão Humanizada e desaguou num grande projeto de engajamento de líderes que ainda está em curso.
Atender clientes de reorientação vocacional e organização de ideias no Rio, São Paulo Atlanta e Georgia.
Aprofundar a parceria com a Tecnored, com trabalhos significativos para a liderança.
A palestra sobre coragem no Todas Group, um momento épico onde pude revisitar minha trajetória e inspirar outras mulheres.
Reinventar minha prática profissional, a partir de novas técnicas, domínio do uso da tecnologia e um novíssimo e incrementado home office.
E um grande marco: dez anos empreendendo e o início do novo ciclo como Leticia Carneiro Desenvolvimento Humano.
Um ano de aprendizado e prazer em estudar…
Aprimorando técnicas em Facilitação Virtual e aprendendo Estruturas Libertadoras com a Aprendix Global.
Aprofundando meus estudos sobre dinâmica de grupos na SBDG, inaugurando um modelo on-line antes inédito e aprendendo muito sobre mim.
Um ano de mergulho espiritual
Aprendi tarot com meu mestre Pedro Ayres e uma turma incrível de mulheres.
Cultivei a mulher selvagem em encontros para digerir os contos de “Mulheres que Correm com os Lobos” e uma incrível oficina de Escrita de Memórias, a partir do encontro com a maravilhosa Regina Rapacci.
Li e fui a eventos sobre luto, num ensaio para a Formação que inicio agora em janeiro. Um destaque para o Festival Infinito, a Jornada Elizabeth Kubler-Ross e os livros de Megan Devine, Nora McInerny, Elizabeth Kubler-Ross e Ana Cláudia Arantes.
A comunhão com a natureza e o mar, no meu refúgio na Praia de Carapebus. O mar e o som dos passarinhos acompanhando minha solitude.
E sobretudo pratiquei o recolhimento, passei muito tempo comigo mesma, criando esta intimidade que intenciono cultivar mais e mais daqui para a frente.
Um ano em que me superei como mãe
Viver a adolescência do meu filho e de minha filha, com todos os conflitos, novidades e desafios emocionais. Fazer tudo isso reforçando os vínculos, mantendo bastante calma e sustentando a parceria com o pai deles. Perdoar-me nos (muitos) momentos em que não estive no meu melhor nem fiz o meu melhor. Compreender e honrar meu pai, minha mãe, meu padrasto e minha madrasta, sem perder as oportunidades necessárias de me diferenciar.
Incentivar Olivia em suas artes. Ser professora de Comunicação Não Violenta na escola do Léo e ouvir que foi “a melhor aula do ano”.
Nunca foi tão difícil. Nunca valeu tanto a pena.
Um ano de parcerias
A maior de todas, sem dúvida, com meu marido Lennom. No apoio em casa e com as crianças, na coragem de realizar projetos conjuntos, no suporte mútuo aos projetos profissionais. No colo para consolar o luto e as frustrações.
Com Álvaro, parceiro do Voe e mentor no projeto da Grey. Voz temperada e provocativa que foi continente neste ano confuso.
Com Sérgio, meu mentor em Comunicação Não Violenta. Com seu olhar atento e sua escuta empática que foram um trampolim para minha prática de trabalho humanizada.
Com Lucrécio, pai de meus filhos, num ano de fronteiras importantes e desafios inéditos.
Com minha madrasta Marília, minha cunhada Natasha, meu tio Palô e minha Tia Gigi, no deslindar de processos burocráticos, uma prática de compaixão que me elevou como ser humano.
Com minha advogada Rosa Bruns, presente desde o inventário de Caio até meu divórcio, união estável e consultoria em contratos profissionais…
A minhas amigas e amigos (não vou citar para evitar injustiças e ciúmes…) que me escutaram, me acolheram, me encorajaram e me puxaram a orelha quando foi preciso.
Ao meu Mestre em Tarot, Pedro. A Regina, gentil guardiã do feminino.
Aos meus terapeutas Fernando, Rosana, Bia e Adriana, que em momentos distintos me acolheram e me ajudaram a me manter em movimento sem me perder de mim.
Às mestras Inês e Ângela e toda a turma da Formação em Dinâmica de Grupos da SBDG, testemunhas compassivas de minhas lutas internas com meus demônios, para tornar-me mais feiticeira do que rainha.
Os colegas aprendizes em Facilitação Virtual e Estruturas Libertadoras, capitaneados pelo primo Marcos Bidart e os mestres Fernando e Carol.
Clientes, colegas e parceiros na jornada profissional. Sempre me incentivando e me convidando a ser mais humana e mais criativa…
Minha homeopata, Dra. Ethel, minha dentista, Andrea, meu professor de Pilates Maurício e minha mestra em Eutonia, Thereza. Parceiras e parceiro na saúde neste ano tão perigoso.
A experiência de participar do podcast Transbordando por aqui com as queridas Dani, Eliza e Ana para rirmos muito de nós mesmas e nossos fracassos inevitáveis.
Um ano de encerrar e iniciar ciclos.
Despedir-me do Caio e fechar seu inventário.
Ajudar a família a organizar seus negócios para então me despedir do lugar de sócia.
Facilitar os acordos entre minha madrasta e minha cunhada.
Finalizar meu divórcio.
Formalizar minha união estável com Lennom.
“Desmanchar” a sala comercial presente de meu pai, em preparação para eventualmente me desfazer dela.
Reabrir o Voe temporariamente, com o apoio dos impulsionadores Álvaro, Maria e Janaína. Criar o Reinvente-se e o Voe no Escuro. E então, de comum acordo, perceber que era um voo muito alto para um ano tão turbulento.
Este é o primeiro exemplo de que..
Nem tudo são flores.
Meu corpo foi o maior prejudicado. Engordei, fiz pouco exercício, só não me alimentei pior porque o marido assumiu as panelas e fez tudo andar nos eixos.
Não havia como prever os impactos do isolamento na saúde física e emocional de todos. Tomei algumas medidas, mas 2021 vai exigir muita disciplina e alguma correção de rota em relação à rotina dos filhos.
Entre trabalho, estudo, tarefas e cuidados com a família, não aproveitei o suficiente minha imensa e amorosa rede de amizades.
Como disse logo ali acima, não pude sustentar o Voe. Com a mesma coragem de abrir esta porta, fechei-a.
Desisti de alguns outros projetos, percebendo que seriam um desvio no foco necessário para sustentar energia e ritmo neste ano montanha-russa.
O processo do divórcio revelou feridas inesperadas, exigindo cuidados.
Em outubro, um grande amigo e mestre profissional, Luiz, tornou-se luz.
Finalmente, viver o ano todo imersa no desgosto de nossos desgovernos, amarrando minha estrela no arado do trabalho e do amor ao alcance das mãos. Não foi fácil.
Apesar de tudo que foi ruim, difícil e dolorido. Apesar da saudade infinita do Caio que acendeu a saudade de meu pai e até meus avós. Apesar dos quilos ganhos, das inúmeras discussões, dos fracassos e dos tropeços, 2020 valeu a pena.
Saio com a memória doce das viagens com Lennom, com o calor do aconchego dos abraços do filho e bilhetinhos amorosos da filha. Com a certeza inabalável de que sou corajosa e ando em ótima companhia. Com a surpresa de reencontrar o aprendizado como forma de prazer.
E sobretudo com a fé de que dias melhores virão e que vale a pena viver. Muito.
Abro meus braços para 2021 com a esperança e amor pulsando fortes e já com planos ousados. Um novo ano. Um novo convite a viver mais simples, mais inteira e mais satisfeita.
Retrospectiva dos anos anteriores:
2013, Balanço de Sonhos Realizados
2015, o ano sem vontades- frouxas I
2016: balanço das vontades-frouxas
2016, um ano peculiar