Viver Mais Simples

A Mulher-Borboleta

Antes de 9h da manhã, já tantas tarefas feitas.

A mulher-borboleta abre as asas, para os incansáveis cuidados: arrumar a casa, levar filhos na escola, supermercado, farmácia, o pix da máquina de lavar nova.

Há muito na agenda nesta amanhã: cozinhar, organizar, uma conversa para dar rumo na fase nova profissional.

Entre cursos, compras, providências, ela encontra tempo para escutar amigas, atender clientes, fazer propostas, preparar a família para o casamento do irmão.

Assim, na terceira pessoa, parece uma vida eficiente, asséptica, vida-margarina.

Aqui dentro, eu. Crua.

Emergindo de um luto que abriu outros lutos.  Redescobrindo-me e reinventando-me no mesmo compasso.

Decidida a fazer uma boa jardinagem no trabalho que foi brotando meio por toda a parte. fertilizado por novos saberes e desejos.

Concentrada em namorar-me, deixando as unhas crescerem, cortando o cabelo, admirando-me no espelho, escolhendo sair de todos os aplicativos e deixar o vento trazer um homem que saiba cantar.

Atenta e frouxa no cuidar de filhos que pedem mansidão e continente.

Estupefata com o tanto de camadas e camadas da pele velha de cobra que vejo caídas no chão. Para renascer fênix-coruja, olhar aguçado e mira certeira no mesmo movimento.

Não sinto mais tanta falta de ar nem tanta falta de mim. Anseio pelos novos movimentos: a casa nova, os projetos em gestação, a alegria por anos contida se derramando na família e nas amizades.

Carrego no mesmo cesto: minhas  lágrimas, minha coragem, meu amor, minha prudência.

As asas não são tão diáfanas, marcadas por toda sua extensão.  Cicatrizes que fortalecem o voo.

Sinto o sangue quente fluir pelas pernas dizendo, levanta. Levanta desta lagoa escura onde fiquei submersa num longo inverno.

A  Lagoa, surpreendentemente rasa. Eu, como sempre, profunda.

Desta profundeza, antes só lava, emergem um rio-oceano. Salgado, límpido, cheio de peixes.

O arado espera, há muito que se plantar para reabastecer os celeiros da alma e da matéria.

O horizonte está ali defronte, com seu convite e sua urgência. Sigo.

Mulher-borboleta de coração preenchido de dourado em cada rachadura.

 

 

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