Amar o próximo

 Em ancoragem, autoconhecimento, Carlos Drummond de Andrade, citações, filhos, gratidão, Maternidade, memórias felizes, poesia, solidariedade, Valores
“Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal, senão

rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?”
Carlos Drummond de Andrade

http://sentidoslucianaandrade.blogspot.com/
Em tempos de coração revolto, tenho estado mais atenta a meus filhos, uma forma curativa de ancoragem.
E observando como eles interagem com o mundo, fiquei comovida em perceber como eles expressam de muitas maneiras seu amor ao próximo:
Minha filha caçula é uma vulcão cheio de energia, como se fosse pouco corpo para tanto espírito… 
Ela se lança, grita, chora, é intensa. Mas também um poço de amorosidade, carinhosa demais, brejeira e moleca. Adora dançar, adora cantar, adora dizer “Adorei!”.
E adora os outros.
Tenho visto ela desabrochar, cada vez mais próxima das pessoas, sorrindo para estranhos, colocando-se à disposição para conversas: “Oi, eu sou a Olívia” e por aí vai.
Ontem ela novamente me surpreendeu, quando nos despedíamos de nosso querido Vovô Breno. 
Ele foi dar o beijo de despedida, sempre um longo adeus por conta da carreira diplomática dele. Foi quando ela disparou, docemente: “Mas nós vamos morrer de saudades!”. Um concentrado de afeto, apesar do pouco tempo que passaram juntos. Refletiu um sentimento muito verdadeiro, talvez mais ainda nos adultos presentes, vivendo entre saudades…
Fiquei ali, orgulhosa dela ser capaz de capturar de forma tão bonita a poesia daquele momento.
Meu filho mais velho é outro presente.  Sensível ao que o outro sente. Interessado nos mendigos da rua, nos absurdos cotidianos.  Protagonista de várias conversas sobre Deus, anjos, pobreza, sobre ter e não ter.  Um legítimo Franciscano, como eu, minha avó e o pai dele…
Quando a irmã de minha madrasta morreu, fui visitá-la no Rio. Expliquei para ele que não seria possível que ele viesse comigo, mas que eu ia ficar com ela “porque ela está muito triste”. Léo tinha uns quatro anos e disparou: “Eu também vou ficar triste quando minha irmã morrer”.
Esta transposição para o coração do outro me deixou sem palavras.
Minha gratidão é  imensa. Sei de todos meus vícios que vejo “contagiando” meus filhos: a braveza, o mau humor eventual, o falar mais alto mais do que deveria. 
O roer das unhas, que o Léo venceu, mas eu não…
Sem contar os fantasmas hereditários da miopia e outras coisas mais.
Tudo isso empalidece ao vê-los assim, tão generosos com as pessoas, tão sinceramente mobilizados pelo que passa  no coração alheio.
Lembro que sim, tenho inúmeros defeitos, mas que verdadeiramente me emociono com a emoção do outro. Choro fácil com as lágrimas de pessoas em sofrimento. Importo-me realmente com o bem-estar do outro. Tenho boas intenções, mesmo quando me atrapalho.
Nossos filhos são de alguma forma uma possibilidade de redenção em nossas vidas.
São tantos os pecados que cometemos. São tantos os deslizes e maus momentos. São tantos episódios de inveja, descontrole, mesquinhez.
Mas meu coração encontra guarida em ver que -para meus muitos erros- há muitos acertos também. E ver estes acertos perpetuados nos atos de meus filhos… É indizível.
Então prossigo “amando o que o mar traz à praia”, esquecendo um pouco de minha própria dor que nem é tão grande assim quando eu penso na dor do outro.
Mais uma dádiva de ser mãe. Ver nosso melhor em nossos filhos…

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