Desde que escolhi ser pedestre, a rua mais e mais faz parte do Viver Mais Simples.
O começo foi difícil. É um pouco amedrontador estar tão próximo do outro. Pedinte, menor abandonado, ambulantes.
É muita gente distinta de mim. Ou será que nem tanto?
Com o tempo, fui me adaptando. Já conheço os frequentadores de minha vizinhança. Dou risada como vendedor que grita “Acabei de queimar a minha rosca”, para vender seus produtos. Que são roscas, é claro.
Cumprimento a vendedora de balas, a moça da água de coco.
Esbarro com meus vizinhos de prédio, de rua e de bairro.
Outro dia contei para os amigos de São Paulo que saio muitas vezes só com a chave. “E se cair dura?”.
Bom, acho que hoje, até o mendigo me socorreria:
“Mãe, porque você diz bom dia para ele?”. “Filho, eu passo por ele todo o dia, a gente já se conhece…”.
Lucrécio Brasil |
Mas mesmo a vida pedestre pode ser levada a um novo nível. Foi o que eu fiz com duas experiências recentes.
A primeira, o espetáculo do meu amigo André, “Dados Variáveis“.
Foi no meio do Largo do Machado, num dia de sol. Eu com as duas crianças, meio nervosa porque a vizinhança não é das mais fáceis.
E assim fui surpreendida e tive que rever meus preconceitos.
Uma turma de adolescentes cercava o “palco”. Curiosos, um pouco desafiadores, um pouco agressivos. Eles carregavam suas garrafinhas com cola ou benzina ou alguma outra coisa assim. Triste de ver.
Mas a arte faz mágicas. André foi incluindo o grupo, que ficou ali conosco, vizinhos temporários de “arquibancada”.
Um deles participou comigo:
Lucrécio Brasil |
Eles ficaram todo o tempo ali, meio zonzos com a droga, mas fascinados (e pacificados) pela arte que lhes foi presenteada.
E aí aconteceu o inusitado. Olivia desgarrou do grupo e saiu correndo, a rebelde de sempre. E um deles levantou-se e a conteve “foge não, neném”.
Eu fui ajudada por um menino de rua.
Ali tomei uma lição. Humanizados pela experiência de estar juntos, unidos pelo teatro de rua, éramos novamente irmãos.
Dias depois, uma nova experiência. Fui fechar minha aula de danças brasileiras no meio da Cinelândia, dançando o Cacuriá.
Cláudia Martins |
Minha professora Juliana havia avisado: estas danças pertencem à rua, é para lá que temos quer ir. E fomos. Fomos juntos, eu bem envergonhada com minhas cadeiras duras e falta de sangue africano nas veias. Mas lá, tudo foi poesia.
Embaixo de um toldo providencial, fizemos nossa roda. Dançamos ao som do tambor e, aos poucos, viramos atração turística. Mais um tempo, Mestre Graúna da Gamboa parou com seus pequenos capoeristas. E primeiro ficaram olhando, mas Juliana convidou.
Cláudia Martins |
E aí foi demais, nós e eles, tambor e berimbau. Teve mostra de capoeira. Teve “Jacaré Poiô”.
Foi uma delícia e fiquei orgulhosa de minha coragem, que permitiu viver este presente.
A rua é surpreendente, é inesperada, é crua. Nela me sinto viva, alerta, inteira.
Viva a rua! Viva a arte popular!