A ocasião era desconfortável para mim. No espírito de fechar o ciclo de arrumação da casa, recebi as amigas sempre bem vestidas para uma geral no meu armário. Uma mistura de limpeza da energia doméstica com desejo de estar mais elegante e feminina.
No meio da aventura, uma delas recomenda, cheia de doçura: “Você merece um sutiã destes que dá um up”. A intenção, vinda de quem veio, era certamente das melhores.
Bom, acontece que eu tinha uma pendência antiga, uma permuta numa loja de lingerie incrível, herança de um trabalho de anos atrás.
Tomei coragem e fui.
Só quem tem sobrepeso sabe o tormento de comprar roupas no mundo atual, especialmente no Brasil.
O primeiro desafio é achar um local que tenha números acima de 44.
Este eu atravessei, esta marca é mais generosa que a média.
O segundo desafio é achar uma vendedora compassiva, que não te trate como se você fosse uma intrusa no mundo da moda. Novamente, estava num lugar de serviço excepcional, outro alívio.
Mas a realidade é dura com os manequins grandes. Por mais cuidadoso que seja o ambiente, é preciso autoestima blindada para comprar uma roupa nova. E eu confesso, fraquejei.
Na maioria das vezes, serão poucas as opções de cores e formato. “Tem …?”. “Não, este é o único, o último, etc.”. Então é comum levar aquela coisa de que quase gostei, nem sempre próxima do que eu realmente precisava.
O processo do espelho é desgastante: a gordinha (eu) vai no provador e começa a provar modelos e mais modelos que apertam, pinicam e não dão up nenhum (e olha que estava na loja de lingerie mais confortável e charmosa que conheço).
Gordinha? Gorda, né. Fui gordinha uns quinze quilos atrás.
No final, consigo dois modelos ok. Nada comparado com o sutiã da amiga de corpo magro. O peito nem tão up. A alma meio down.
As amigas “empoderadas” vão dizer: que isso, querida. Você é linda como é, não importa este estereótipo Barbie-top model-cintura de vespa anoréxica.
Pois é. Tantos anos de terapia e coaching. Tanto workshop de autoconhecimento. E eu mentiria se concordasse enfaticamente que estou em paz com o meu corpo. Muitas vezes sim. Quando vou comprar roupas, quase nunca.
Sim, a cabeça concorda que minhas virtudes superam com vantagem os benefícios da estética sádica contemporânea. Sim, sei que tudo isso é fruto da mídia, da ditadura da moda e de conceitos preconceituosos de beleza. Sim, sim, sim.
Mas o coração acusa o golpe.
Comprar roupas não me deixa feliz.
Detesto experimentar. Detesto escolher. Simplesmente detesto.
Por isso adiei por quase cinco anos usar uma permuta na loja mais bacana de lingerie. Por isso nem gosto de aceitar permutas.
Gostaria de ser como as pessoas que se sentem sexy com suas gorduras. Gostosas, fofas, assumidas.
Eu, não tenho espelhos de corpo inteiro em casa. 90% do tempo, me esqueço do meu peso e sigo feliz sendo interessante, amiga, inteligente, provocadora.
Mas quando tenho que comprar uma roupa. Ah…
Pronto. Falei.
PS: Peço a gentileza de não responderem este post com comentários sobre a loja tal que tem coisas incríveis para tamanhos plus. Ou de casos de sucesso das top models plus size. Ou do último estudo antropológico, científico ou etc dizendo que ser gorda é tendência, é uma afirmação neste mundo vazio e raso.
PS2: Também poupe-me de dicas de exercício, médico, nutrição, terapia holística, remédio e demais soluções de emagrecimento. Acreditem, ninguém conhece mais destes assuntos do que quem busca um peso feliz há mais de vinte anos. E claro, eu sei bem o preço do meu sobrepeso para minha saúde.
Sou uma pessoa autêntica, corajosa e determinada a seguir meu caminho único. Por isso uso biquíni e como meus bolos de laranja. Mas hoje deu vontade de compartilhar este momento de vulnerabilidade, Isto também é viver mais simples, ; -).