Carta aberta a minha mãe

 Em atitude, autoconhecimento, coragem, filhos, inspiração, jornada, Maternidade, memórias felizes

Mãe,
Eu te amo. Sempre te amarei.
E agora que sou mãe também, entendo mais você e suas escolhas.

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Ter filhos é uma fonte inesgotável de grandes surpresas e pequenas alegrias. Mas é de certo modo uma prisão.
Escolha para todo o sempre.  Responsabilidade infinita.  Decisão nossa recordada por eles, todo o tempo.
Nem quero pensar como será o dia em que minha Olivia vier cobrar a conta de meus supostos erros, dedo em riste e coração de vulcão… Tenho certeza que você terá bons conselhos para mim neste dia.
Em todas as outras relações, há alguma possibilidade de justiça.  São dois adultos, dois irmãos, dois pares. Na relação mãe e filho, não há justiça… Somos sempre o lado culpado, seja por julgamento alheio ou nosso próprio.  Sinto na pele as marcas de ferro e fogo, quando um de meus filhos desnuda meus mais sombrios tropeços como mãe.
Claro que vale a pena. Cada sorriso, cada abraço, cada momento. Mas tudo  parece tão frágil e demanda tanto esforço.
Meus filhos ainda são pequenos e vivem na minha saia. Mas eu já imagino o dia em que sairão de casa para um noite infinita. Ou sairão de casa por toda uma vida.
E aí, temo o dia da prestação de contas.  Que tudo que eu plantei, semeei, bom e ruim, está sendo acumulado no coraçãozinho deles. E só Deus sabe como eles interpretarão os meus motivos, minhas intenções, meus reais desejos .
Hoje sei que o nosso possível nem sempre é suficiente para eles.  “Eu era mais feliz em São Paulo”, grita o mais velho, enfurecido.  Ele nem desconfia das milhas que andei para estar aqui, doída, ouvindo esta acusação.
Por isso começo a imaginar, minha mãe, quantas acusações injustas eu mesma fiz e faço, sem saber seu contexto e suas razões.
Fiquei  muito comovida com nosso último encontro.  Suas pequenas delicadezas: os presentes feitos por você, a resignação com meu  atraso.  O brigadeiro verde para os netos, o orgulho de mostrar a casa “nova/velha”. A permissão para um cochilo salvador. O jeito gentil de pedir para encerrarmos a noite.
No entanto, de tudo, o que mais me marcou foi você  me devolver a minha carta, a que eu escrevi para você aos meus doze anos.
Ali, tudo parecia intacto.  Eu ainda não tinha virado a adolescente feroz que virei. A distância não parecia significar muito, tamanho o nível de detalhes descrito: o boletim, a paixonite, uma pequena revolução na escola.  Tão cotidiano, como se eu estivesse falando com você por telefone. Como se não fosse Brasília em tempos pré-internet, fosse Campos ou Niterói…
Deus sabe o que tenho trilhado, na minha busca por inteireza.  Sobrou pouco tempo e energia para nossa história. Mas este domingo deixou um gosto diferente, especial.  Está tudo ali, intuído e escrito. Um novelo esperando por ser desenrolado mansamente, com a calma que só conhece quem sofreu em surdo desespero por querer fugir e querer ficar.
Dar-me conta que o recurso do “banho de horas” das crianças foi um presente seu. Nada ecologicamente correto, mas absolutamente necessário para dar conta das atividades do dia, sem empregada nem babá.
Quantos outros presentes você me deu, que hoje uso sem pensar, agarrada na faina doméstica ancestral.
Quem diria que a executiva de 9h às 20h viraria Patricia, na beira do fogão fazendo batatas sautée. Tirando férias de alguns minutos para ler um livro. Prisioneira deste amor de mãe que nos consome e nos une.
Mãe. Eu te amo e sempre te amarei.  Precisamos saber agora como recontar nossa história.
A carta foi um bom começo. Obrigada.
Leticia

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