Em frente, com medo
Quando penso que aprendi muito sobre coragem, recebo uma lição de humildade.
Há muito receio dentro de mim, esta luta jamais está 100% ganha.
Foi assim nesta última viagem, a primeira por minha conta, em muito tempo.
O destino já era desafio: Nova Iorque, cidade gigante e com cara de poucos amigos.
Meu primeiro obstáculo: atravessar a famigerada alfândega americana, onde já passei maus bocados.
Permitiram minha entrada, sem percalços.
Cheguei num dia ensolarado, consegui alcançar o hotel quase sem me perder.
Tudo parecia bem.
Até descobrir que o hotel estava sem wi-fi. Sem internet para me guiar, o canal para o trabalho e a família estava comprometido.
Para piorar, o cartão foi bloqueado, devo ter avisado da viagem muito em cima.
Vivi um razoável pânico, logo raiva, descontada nos funcionários do hotel.
Com fome e cansada, minha cabeça dava voltas. Diante do abismo da vitimização, o pulo era tentador.
Não.
Avancei passo a passo, usando a ajuda que pude arrebanhar aqui e ali.
Comprei um chip para o celular, sozinha, pela primeira vez.
Comprei um “calling card”, recordando os bons tempos de Londres.
Assim, pude me comunicar com o marido, ágil em contatar o banco.
Respirei fundo e reconheci que não iria poder trabalhar ou mesmo escrever para o blog. Paciência. Devia ser um sinal para eu descansar, refleti.
Primeira etapa vencida, mas ainda não era o fim da batalha.
Dediquei-me a cumprir a longa lista de compras e, lógico, o banco bloqueou o cartão novamente.
Já estava mais descolada, me virei até conectar-me com a central de cartões através do bendito calling card.
No último dia, quase nada havia visto da cidade, no entra e sai de lojas e resolver pepinos.
Baqueada com a derrota do Brasil, suspirando de saudades do marido e seu senso de direção, ainda restava uma última tarefa: comprar um par de chuteiras para o filho.
Tenho uma relação precária com o Google Maps no celular e, aos trancos e barrancos, cheguei nos dois endereços que eu tinha. Nenhum deles resolvia meu problema. O tempo se esgotava e eu, tardiamente, caí em mim: que espere o par de chuteiras!
Entrei num restaurante no Soho, para deliciar-me com um almoço maravilhoso, finalizado com um calmante chá de lavanda. O preço era comparável às refeições sem muita graça de Times Square. A experiência, infinitamente superior.
Briguei com o metrô intimidante, com direito a tomar um trem que me levou até o Harlem, quando eu tentava chegar no Central Park. Mas não sucumbi.
Respirei fundo, retomei o caminho.
No parque, tirei os sapatos, deitei na grama e respirei fundo. Muito fundo.
Subitamente presente, percebi a conexão com muitos momentos de minha vida recente.
Imersa em tarefas e dificuldades, esqueço-me de me entregar para o presente e respirar.
Quando vi, fluíam lágrimas de saudade e remorso ao pensar em todo o mau humor, impaciência e pressa no lidar com os filhos, o marido, os amigos, os pais e irmãos.
Deitada na terra macia, prometi aprender com a experiência novaiorquina.
Menos correria, menos tarefa.
Mais atenção ao que realmente importa: quem eu amo, fazer o que é preciso, sem me esgarçar.
Levantei-me e já era quase hora de ir embora.
Com alívio, agradeci a calma dureza de saber que há hora para persistir e há hora para ceder.
Assim, saí fortalecida destes dias agridoces. A mala cheia de compras, uma maior consciência de que eu andava no automático.
Para fechar a epopeia, um último sinal.
No aeroporto rumo à Portland, uma atendente malcriada me pegou de calça curta no meu medo. A tal ponto, que eu, confusa, já ia pagando 125 dólares de excesso de peso. Uma alma caridosa veio em meu intermédio e sugeriu um remanejo entre mochilas. Salvou meu dia e meu bolso.
Deixei NY sem tanta saudade, mas com muita gratidão.
Todo dia é dia de aprender a lidar com medos e coragens.
Aprendi novos caminhos para avançar e percebi fragilidades necessárias.
Com medo e tudo, é tempo de caminhar.
Para Leticia Carneiro