Faz um ano…
Faz um ano que me tornei órfã de você. Cada uma das quatro letras repleta de saudades, lembranças e muito espanto.
Ainda é tão acesa a memória de sua cabeça quente sob minhas mãos. Do choro caudaloso após ser surpreendida por este contato inesperado entre a borda de sua vida e de sua morte.
Depois, a sensação de caminhar na água, por meses a fio. O ar era água. Tudo era água, dentro e fora de mim.
Meus dias foram uma aquarela, aos poucos ganhando novo contorno. Nitidez, nova textura. E se apropriando do novo título.
Órfã.
Não sei explicar tudo que vem com este substantivo. Um mundo de sensações e aprendizagens entre a boca aberta no início e o “Ahn?” do final.
Estupefata, descubro o que todos me diziam. A saudade não passa nunca. Se depender de mim, Alberto bailará no reino do lembrados por muito tempo.
A Orfandade me faz atônita, mas também traz coisas belas.
A surpresa de ver quão vivo você mora em mim. Nas palavras, valores, memórias incontáveis. Como te perder fora, consolidou você dentro. Meu pai.
Volta e meia choro. Com frequência. E a lágrima é alívio e homenagem. Eu estou viva e choro a sua morte. Mas sobretudo, estou viva. E amo esta vida ainda mais, mesmo sem você por perto.
Sua partida deixou as cores mais marcantes. Deixou os encontros com os tios na Chacrinha mais significativos. Fez-me amar a Ribeira, como nunca antes. Porque a Ribeira agora é o solo sagrado onde você repousa e é também legado, história, esperança, futuro.
Tudo é diferente. E mesmo a tristeza não rouba o valioso de estar tão mais desperta para a saúde, o amor, o estar juntos. E tão indisponível para certas discussões inúteis, desgastes desnecessários, futilidades.
Sua morte me faz acreditar que cada dia vale mais que antes. Não há tempo a perder com brigas, reclamações, mágoas sem sentido.
Tudo urge, tudo pulsa, tudo é força de transformação.
Você me mostrou de forma tão concreta: meu pai doente, virou um morto sereno, então cinza e agora cajueiro.
Tudo ficou menos morto. Apesar de você ter morrido.
Eu agora saboreio os minutos com a certeza de que são preciosos. Por que cada minuto ao seu lado, revela-se um tesouro. Mesmo os mais doídos. Tudo é você, agora infinito.
Faz um ano.
Hoje, passei o dia perambulando entre as recordações e cuidando de sua neta doente. Passado e futuro entrelaçados, e o meu choro intermitente sendo a ponte entre as gerações.
Você está morto e eu, órfã.
Abracei outros órfãos desde então. Viúvas também. E fui mais solidária do que antes, porque agora aprendi coisas novas que apenas sua morte poderia me ensinar.
Esta estreia é vitalícia. Serei doravante órfã. Não poderia imaginar que haveria uma parte doce. Que haveria motivos por que agradecer.
Gosto-me mais assim.
Mas seu eu pudesse, ah, seu eu pudesse.
Como gostaria de mais uma conversa entre nós…