Memórias de gestar
Há tempos percebo: lembrar de um momento antigo pode ser literalmente revivê-lo.
A memória de nosso corpo, se estamos atentos, evocará não só imagens, mas sentimentos, sensações, um outro lugar do passado para sempre arquivado em nós.
Hoje foi assim. Por alguns instantes, fui convidada a revisitar a gravidez do meu primeiro filho.
Era uma época onde eu ainda tinha camadas e camadas de anestesia dos tempos antes de Viver Mais Simples. Por isso voltei lá como se fosse um pouco a primeira vez.
Foi um tempo intenso. Perdi meu primeiro bebê com nove semanas de gestação. Estar grávida de novo era um misto de alívio e medo.
Alívio, pois meu corpo era capaz de gerar outra vida.
Medo de perder outro filho, até as primeiras semanas passarem e a gestação se firmar em mim.
Navegar por este oceano de antes foi uma experiência mágica. Foi como rever a gênese do infinito amor pelo meu filho mais velho.
Aquele pavor de perdê-lo era proporcional ao quanto já o amava, o queria.
Também um tempo sagrado. A gravidez é um jeito de mágico de celebrar o mistério da vida. Fazer gente.
Lembro-me quão maravilhada esta descoberta me causou: eu faço gente…
Hoje relembrei os muitos pontapés do meu pequeno peixinho agitado. Nasceu amante do futebol e um espírito do ar, serelepe Mercúrio.
Eu o amo tanto que me inundei em lágrimas com a breve lembrança de seus primeiros dias em mim.
Ele perguntou curioso: “Por que você está chorando?”. E eu respondi: “Por que lembrar de estar grávida de você me fez lembrar o quanto você me fez (e faz) feliz”.
Nosso corpo é um templo de memórias felizes. Em meio a dias chuvosos, esta recordação de oito anos atrás foi uma suave brisa no meu coração.