Com o filme Festa no Céu, aprendi um pouco sobre a beleza do “Dia de Los Muertos” mexicano.
A ideia singela de que, enquanto lembrarmos de nossos mortos, eles viverão num lugar lindo, cheio de alegria e esperança de reencontro. “A terra dos lembrados”.
Hoje é dia dos mortos. Mais do que nunca desejo que estes meus amados estejam bem, abraçados por todo o amor de quem ficou aqui.
Neste momento de transformação, aprecio profundamente o legado destes anjos que me guardam, dia após dia.
Minha forma de lembrar é agradecer. Para que seja dia de festa na “Terra dos Lembrados”. Para que o amor por eles ilumine o meu coração saudoso.
A primeira pessoa que perdi foi tio Itê. Eu tinha cinco anos. Um afeto importante na minha vidinha de criança. Lembro que esperá-lo era um acontecimento. Com suas histórias, criatividade e bom humor.
Os anos se passaram. E veio a maior dor de todas. Perder minha avó Regina, colo infinito, meu continente, amor incondicional. Ainda sinto sua presença velando meu sono, minha rainha. Lembro dos passeios na Avenida Pelinca, comprar poquinha no Laura, os lanches de pão com manteiga e queijo prato. Mais tarde, os bons conselhos, a acolhida para o coração adolescente. Entre tantas, tantas memórias, foi ela quem abriu a caixa mágica das palavras, presenteando-me com uma caixa cheia de meus livrinhos cor-de-rosa, aos nove anos.
Apenas quarenta dias depois, meu avô com açúcar, vovô Celso, partiu também. Esteio de minha infância, inspiração da minha vida adulta. Lembro das coca-colas depois de visitar a roça com ele. O bom humor. A resiliência de quem comprou sua fazenda aos setenta anos. A humildade, a justiça, o chá com biscoito cream cracker, à tarde.
Depois, a centenária vovó Aída. Alma de artista, espírito de luz. Ah, se eu soubesse o que sei hoje, como haveria bebido mais de sua fonte… Ela que me ensinou sobre o poder purificador da água. Como sabia das coisas por vir. Dela lembro das conversas, do olhar amigo, de um quadro que “se transformava” e da convicção inesperada que irrompia de seu corpo frágil.
Anos depois, vovó Gisela foi reencontrar o marido. Sua morte acordou um chamado de mudança. “Gisela viveu todos seus talentos”. E fui buscar os meus. Vovó do rangido do assoalho de manhã, a última a se sentar. Vovó Gisa, dos quindins e do batom e água de alfazema. Vó Gisa, da mesa farta, do coração indômito, da inteligência brilhante e determinada.
Então foi a vez de tio Márcio, Amor-Continente. A primeira morte enfrentada de olhos bem abertos, acompanhada de perto. Uma voz de trovão retumbando no peito. Referência de ética, amor à família, firmeza nas horas difíceis.
Por último, Eliane. Amiga recente, mas de tamanha intensidade. Nos víamos quase toda a semana. Ela me orientou no caminho espiritual, me apresentou tantos recursos de cura. Ensinou-me também a prudência com o cuidar do outro.
Há muitos outros mortos queridos ou significativos. Tio Dario, tio Geio, Tia Maria, Tia Neni, Ben, Chiquinho e muitos mais. Tantos nomes.
Hoje, mais que nunca, os recordo. Sem tristeza. Gratidão e a certeza de que tudo tem seu tempo e lugar. O deles, agora, é em outro mundo, velando o meu.