O Reencontro
Dois anos de incertezas. Dois anos de reinvenção.
Dois anos de perdas, a pior de todas sendo o imenso número de mortes de pessoas queridas. Mas não apenas: Aprendizagem comprometida. Convívio restrito. Autonomia cerceada pelo medo de contágio. Dentro de nossas casas: desorganização, cansaço, temores.
A pandemia tem sido uma maratona onde ainda não alcançamos a linha de chegada. No entanto, agora temos alguma frouxidão para retomar um pouco da vida, mesmo cientes de que ela jamais será como antes.
Recentemente fui à primeira reunião presencial no auditório onde vivi tantos momentos especiais nestes muitos anos de mãe vicentina. Padre Agnaldo relembrou a estratégia de Moisés para encorajar a multidão fugindo do Egito: olhar para a frente.
Olhamos para frente, nós e nossas crianças e jovens.
Sem saber quando e como atravessaríamos nosso Mar Vermelho, seguimos em frente.
E se ainda não alcançamos a Terra Prometida, já podemos celebrar algumas vitórias:
O retorno às aulas presenciais, com a acolhida sempre amorosa de nossa Comunidade Vicentina. As conversas e brincadeiras no Recreio. A retomada de planos, inclusive Formaturas do 9º ano e do 3º EM. A celebração pelo aniversário da Escola, as sextas temáticas com jovens invadindo corredores com sua criatividade. As aulas extraclasse, incluindo nossos amados corais.
Claro, as cicatrizes são muitas e estão frescas. Sabe-se que a nova pandemia é a da saúde emocional e do luto. Muitos de nós enfrentaram desafios emocionais muito graves. Muitos de nós ainda estamos enfrentando.
Portanto é mais importante do que nunca nos pautarmos pelo ditado africano “É preciso uma aldeia para criar uma criança”. E também nos versos de Drummond “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.
Há muita incerteza neste recomeço: como lidar com o fim da obrigatoriedade das máscaras, o melhor uso de ferramentas digitais, a medida adequada para as tarefas de casa. Uma demanda que preocupa a todos é como mitigar o prejuízo na aprendizagem, mapeado aos poucos nas avaliações diagnósticas.
Estávamos isolados em nossas ilhas e agora teremos que reaprender o convívio fraterno. Nosso desconcerto é obstáculo para a prática da virtude vicentina da Mansidão.
Mais do que nunca, será preciso atenção ao impacto dos novos ritmos em nossos estudantes. A volta ao universo de comparações, inseguranças e autojulgamento (sou magra demais? Sou esquisito demais?). Os choques de realidade nas relações presenciais, sem o filtro anestésico do ambiente virtual.
A ansiedade por “recuperar o prejuízo” impõe pressão sobre nossas psiques e de nossas crianças e é um grande fator de desestabilização emocional. Daí meu convite:
Sigamos em frente, como propôs Moisés. Sigamos de mãos dadas, como propôs Drummond. Sejamos uma Aldeia unida no Zelo e na Mansidão, solidários e humildes enquanto vamos tateando este novo mundo. Para que a travessia das enormes perdas sofridas seja mais branda, mais rápida, mais humana.
Este texto foi originalmente publicado na Revista A Chama, do Colégio São Vicente de Paulo.