O tempero da vida
Voltando à série “Cinco Sentidos”…
Hoje é dia de ficar com água na boca. O assunto é o paladar…
Afinal, nossa primeira relação com o mundo é comer. Lembra dos bebês “come-dorme”?
O leite, materno ou não, e em seguida sopinhas, mingaus, frutas, sucos.
Depois, as comidas mais “proibidas”: a primeira vez que nos foi permitido o chocolate, um singelo e único brigadeiro na festa de um ano (ou sete brigadeiros, no caso de minha Olivia).
A primeira sobremesa compartilhada com o amor ou a amiga.
Sem contar as inúmeras demonstrações culinárias de afeto: o cozido da titia, a bala de ovos da vovó, o quindim da outra vovó…
As batatas sauté da mãe, que geraram tamanha cobiça e perturbação que recebi um castigo: “vou fazer dois quilos de batata sauté e você vai ter que comer tudo até enjoar”. E fez. Mas eu não tive que comer tudo nem enjoei, que coração de mãe é mole que nem pudim…
O paladar é mágico. Não é a toa que o beijo e o comer passam pela mesma língua e boca…
E onde fica o Viver Mais Simples nisso tudo?
Por todo o lado:
Alimentar o coração
Comecei a jornada com cem quilos, se lembram?
Eu tinha fome de muitas coisas e não as encontrava. Então comia. Comia para expandir-me e dar conta de tanto esforço. Comia para me energizar. Comia para lembrar da felicidade que já havia sentido. Comia pelas razões erradas.
Meu corpo, cansado, absorvia tudo. Como seu eu fosse uma mulher neanderthal, sem saber quando o inverno ia acabar. Mas acabou.
Virei Homo Simplis e meu corpo pode se adelgar de novo.
Coração alimentado, menos fome.
Memórias Felizes
Um das cenas marcantes da minha exposição favorita foi a descrição de um café com leite. A narradora era argentina, deve ter minha idade e contava das sextas que dormia na casa dos avós. Sua avó a despertava aos sábados com uma xícara de café com leite espumante.
O tema era uma memória de infância e quase pude sentir o sabor doce daquela espuma de afeto. Os olhos da mulher-menina brilhavam.
Só uma comida de avó traz este brilho para os olhos da gente.
Eu também tenho meus muitos “recuerdos”. Almoços memoráveis de natal. Festejos lindos, onde as pessoas compartilhavam comidas em meio a cantoria e boas lembranças.
A vida pulsa mais quente no corpo da gente, nestas ocasiões… Memórias que aquecem nos invernos futuros…
Por que não?
Comer é uma forma fácil de experimentarmos o novo. Venho praticando pedir para um amigo escolher meu prato. E peço para os atendentes da cafeteria me indicarem seu bolo favorito. Assim, provei coisas novas e dei a chance de um outro me ajudar.
Durante uma época, comprei uma fruta nova por semana. Assim conheci o rambutam, a laranjinha kinkan, o mangostin. Redescobri o sapoti. E descobri que detesto kino…
Servir
Quando morava em São Paulo, oferecia todos os anos um almoço de natal para os meus fornecedores. Nesta ocasião, chamava todas as pessoas que tinha participados de projetos feitos para mim durante o ano.
No final, já eram mais de quarenta pessoas no salão de festas de meu prédio, num evento sempre cheio de amigos e histórias…. Eu sempre encerrava o encontro agradecendo e explicando: “o ano todo vocês me serviram. Hoje é meu dia de servir vocês”.
E eu fazia a comida toda. Mesmo quando dava errado, todo mundo elogiava, acho que inebriados pelo clima de confraternização (já que eu só servia refrigerante e água)…
Foram sete anos praticando o servir. Um bonito caminho para praticar o viver mais simples…
Assim foi seguindo, emoldurada por minhas memórias paladares. Até abrir um negócio de comidas, voltado para alimentar boas intenções. Quem diria?
E você? Qual a comida que evoca em você lembranças, emoções, amor ao próximo?