Poesia em nós

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Esta semana fui ver Adélia Prado falar.
Uma pessoa em sintonia com seu caminho próprio.  De tanto amar e fazer poesia, parece que ela é inteira um poema. Seus gestos, suas palavras, seu jeito todo.

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Bonito demais ver uma pessoa em tamanha integração com seu chamado, seu  propósito, sua vida.
Impossível não se encantar, não viver junto a verdade profunda que transborda pelos olhos, boca, mãos.
Ao mesmo tempo, percebo a solidão relativa de quem está em tamanha comunhão com um sentido diferente dos outros.
Senti quando pessoas perguntavam: “como você cria?”; “como você sabe que  um poema está pronto?”; “Como você sabia que era hora de arriscar enviar seus escritos para alguém?”. Só faltava perguntar: “Como você é você?”
Ela respondia com seu jeito mineiro: simplesmente ela sabe. Simplesmente ela sente. Simplesmente ela vai. Simplesmente ela é.
Não dá para dizer quando é a hora exata de escolher um caminho, de fazer algo, de se transformar.
Mas ser prestarmos muita atenção, sabemos.  Sentimos a verdade dentro de nós. Muitas vezes dura, avassaladora, até mesmo triste. Se conseguirmos ultrapassar este primeiro medo, tão legítimo, tomaremos as decisões corajosas que  palpitam dentro de nós. 
A mesma coisa sinto dentro de mim. Com esta necessidade de seguir mudando, transformando, caminhando rápido e para a frente.
E cada vez mais, com o meu trabalho. A minha poesia.
Comecei escrevendo poemas aos meus cinco anos, longe da beleza e profundidade de Adélia. Mas manteve-me perto desta pulsação e hoje sinto toda a minha vida como pura poesia.
Um dia espero poder iluminar a vida dos outros com ela. Por agora, sigo aprendendo, o peito repleto e curioso.  A vida boa e inesperada. E também um pouco tristeza e solidão, ingredientes necessários para temperar a estrada.
Adélia disse que, para escrevermos, precisamos escrever sobre nós ou sobre o que há em nós, nosso olhar sobre o mundo.
Sinto-me aliviada. Culpava-me por dedicar-me com tanta paixão a contar a história do meu caminho. Mas ter a esperança de que esta história reverbere no coração de outros caminhantes encheu meu peito de sentido e alegria. E desejo aprender com ela esta humildade: “A obra tem que  ser maior que o autor”.  Um dia eu chego lá.
Convido todos a buscar a poesia contida em cada um. Que se expresse pela palavra, pela matemática, pela culinária. Que se expresse de qualquer forma significativa para vocês. Mas que não habite só o seu peito e sim contagie o mundo. Espalhe-se por todo canto, que a poesia de todos nós somada é que fará tudo valer a pena no final.
E assim me despeço desta semana. Com um poema de Adélia Prado:

“Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.”
Adélia Prado 

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