Viver Mais Simples

Poesia em nós

Esta semana fui ver Adélia Prado falar.
Uma pessoa em sintonia com seu caminho próprio.  De tanto amar e fazer poesia, parece que ela é inteira um poema. Seus gestos, suas palavras, seu jeito todo.

mrdebrassi.blogspot.com

Bonito demais ver uma pessoa em tamanha integração com seu chamado, seu  propósito, sua vida.
Impossível não se encantar, não viver junto a verdade profunda que transborda pelos olhos, boca, mãos.
Ao mesmo tempo, percebo a solidão relativa de quem está em tamanha comunhão com um sentido diferente dos outros.
Senti quando pessoas perguntavam: “como você cria?”; “como você sabe que  um poema está pronto?”; “Como você sabia que era hora de arriscar enviar seus escritos para alguém?”. Só faltava perguntar: “Como você é você?”
Ela respondia com seu jeito mineiro: simplesmente ela sabe. Simplesmente ela sente. Simplesmente ela vai. Simplesmente ela é.
Não dá para dizer quando é a hora exata de escolher um caminho, de fazer algo, de se transformar.
Mas ser prestarmos muita atenção, sabemos.  Sentimos a verdade dentro de nós. Muitas vezes dura, avassaladora, até mesmo triste. Se conseguirmos ultrapassar este primeiro medo, tão legítimo, tomaremos as decisões corajosas que  palpitam dentro de nós. 
A mesma coisa sinto dentro de mim. Com esta necessidade de seguir mudando, transformando, caminhando rápido e para a frente.
E cada vez mais, com o meu trabalho. A minha poesia.
Comecei escrevendo poemas aos meus cinco anos, longe da beleza e profundidade de Adélia. Mas manteve-me perto desta pulsação e hoje sinto toda a minha vida como pura poesia.
Um dia espero poder iluminar a vida dos outros com ela. Por agora, sigo aprendendo, o peito repleto e curioso.  A vida boa e inesperada. E também um pouco tristeza e solidão, ingredientes necessários para temperar a estrada.
Adélia disse que, para escrevermos, precisamos escrever sobre nós ou sobre o que há em nós, nosso olhar sobre o mundo.
Sinto-me aliviada. Culpava-me por dedicar-me com tanta paixão a contar a história do meu caminho. Mas ter a esperança de que esta história reverbere no coração de outros caminhantes encheu meu peito de sentido e alegria. E desejo aprender com ela esta humildade: “A obra tem que  ser maior que o autor”.  Um dia eu chego lá.
Convido todos a buscar a poesia contida em cada um. Que se expresse pela palavra, pela matemática, pela culinária. Que se expresse de qualquer forma significativa para vocês. Mas que não habite só o seu peito e sim contagie o mundo. Espalhe-se por todo canto, que a poesia de todos nós somada é que fará tudo valer a pena no final.
E assim me despeço desta semana. Com um poema de Adélia Prado:

“Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.”
Adélia Prado 

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