Lá fora tanto grito.
Eu aqui entretida com o falar baixinho dos corações.
A amiga que perdeu o pai tão amado.
A amiga que atravessou uma cirurgia difícil do seu amor.
A mãe que conta quase sussurrando sobre os dois meses em que seu filho esteve preso.
As amigas cansadas e doídas da crise no casamento.
Fico aqui, neste dia nublado, acolhendo estas vozes suaves, embargadas, sentidas.
Abaixo o volume do fora, o máximo que eu posso.
Observo, em silêncio, o sobe e desce das curvas da vida. Curvo-me humilde.
Não haverá um dia sem este ondular, nem sempre macio. Quase nunca.
Meu coração salpica-se da lembrança do mar de domingo, da lágrima de saudade, da chuva doce nas costas cansadas.
Entrego-me a esta inevitabilidade. Estamos sempre nascendo e morrendo. E é tão dolorido, mesmo sendo necessário.
Em tempos de final de ano, com a energia baixinha e a cabeça atordoada de vozes, faço este convite.
Vamos assim, mansinhos e de voz baixa. Honrar este pulso de vida. Acolher as despedidas. Receber os grandes e pequenos presentes.
Hoje é um dia de voar baixo.