Minha filha sentiu-se frustrada. Desejo contrariado.
Soltou um grito descomunal. Maior, muito maior do que o tamanho dela.
Assombrei-me. Como pode caber tanto grito num corpo tão pequeno?
O grito me acordou.
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O Grito: Edvard Munch |
Quanto está calado dentro de cada peito? Do meu peito?
Quantas tristezas, injustiças, solidões, medos?
Somos adestrados a não gritar. Não chorar.
Não soltar nosso sentimento.
Posso entender.
A intensidade do grito de minha filha me deixou atônita.
A força, o ímpeto, o fluxo descontrolado de ira.
Acredito ser preciso contenção para caminhar nesta vida.
Para não vivermos nos esvaindo, sem fronteiras, limites, continente reconfortante.
Mas, às vezes, por que não? Solte seu grito.
Mesmo que seja no íntimo do quarto, dentro do box, som amortecido pelo chuveiro.
Na praia ou rua deserta, no carro de vidros fechados.
Solte seu grito.
Deixe fluir tudo que não é bom, que não é seu. Ou que é seu, mas precisa ir para fora de você.
O amor que dói, a luta perdida, o preço mais alto do que podemos pagar.
A morte, a perda, o ciúme, a inveja, a falta.
Solte seu grito.
E no fundo, tal qual caixa de Pandora, pode habitar uma esperança.